soplo
Exposição Agrocorpus, realizado no I Edital de Ocupação do espaço Vitrine do Museu Paranaense (MUPA) em 2021.
Texto: Roberta Stubs
Corpo negro em solo agrário
Um corpo negro em solo agrário. Sentado sob o que antes era sombra, talvez floresta, esse corpo insiste em resistir ao sol, ao vento e ao tempo. Os galhos secos da arvore que o abriga, também teimam em existir. Sabemos que são as raízes que fixam esses corpos na terra e lhes confere força. Rodrigo PC é um artista de raiz resistente, suas performances revolvem as entranhas de uma história escrita às custas da pele negra e indígena, que, assim como ele, tem os pés fincados no chão do Brasil, feito raiz que brota e rompe o solo seco da narrativa histórica oficial. Em Agrocorpus, o performer permanece sentado diante de nós por 25 minutos e 58 segundos, evocando um tempo-duração que atravessa gerações. Não se trata aqui do tempo da espera, mas sim da revolta do tempo-presente que urge ser outro. Seu olhar e seu corpo nos lança ao menos uma pergunta eloquente: quem seriam os donos da terra? Agrocorpus nos leva, inclusive, a refazer essa pergunta. Os povos e peles que o artista traz à cena não se proclamam donos, mas parte desse chão que a todos pertence.
Tendo a vídeoperformance como meio, o artista produziu uma ação pensada para a câmera, que resultou em uma imagem potente e expressiva. Transfigurada em público, a câmera se torna um correlato de nosso olhar, e a imagem, um vetor singular de experiência, capaz de gerar uma abertura e um descompasso em nossa certeza visível. Ver é sentir que algo nos escapa[1], e, nesse trabalho, o que escapa nos encara de frente, cobrando um reposicionamento dos sujeitos diante dessa fratura colonial[2] que salta aos olhos. Ao deflagrar essa dívida, o artista depõem contra a herança escravocrata do Brasil, que impôs ao destino das pessoas negras e dos povos originários a falta de horizontes e de liberdade. Enquanto assisto esse trabalho, ouço a voz desse jovem e promissor artista paranaense, que fala com seu corpo político e, num tom de protesto, nos ensina a não ficar estáticos diante da lógica colonialista que ceifa a vida. Com Rodrigo PC nosso corpo aprende a vibrar, resistir e insurgir.
Roberta Stubs
2020
[1] Georges Didi-Huberman
[2] María Lugones